Por dentro do desafio que pode ameaçar a energia do Brasil em 2027

Por dentro do desafio que pode ameaçar a energia do Brasil em 2027

Análise aprofundada sobre o alerta do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) que expõe a vulnerabilidade do Brasil não por falta de energia, mas por um déficit iminente de potência para entregá-la.

Enquanto o Brasil celebra sua crescente capacidade de geração de energia renovável, um alerta técnico e urgente, vindo do coração do planejamento elétrico nacional, lança uma luz de advertência sobre o futuro próximo. A questão não é se teremos energia suficiente, mas se seremos capazes de entregá-la quando mais precisarmos. A partir de 2027, o país enfrenta um risco concreto de déficit de potência, uma crise silenciosa que pode comprometer a segurança do Sistema Interligado Nacional (SIN).

A fonte primária deste alerta, detalhada no artigo “Brasil vai precisar de potência adicional de energia a partir de 2027” do portal Além da Energia, da ENGIE, não é especulativa. Ela se baseia em dados robustos e projeções de dois dos órgãos mais importantes do setor: o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Uma imersão nesses documentos revela a anatomia de um desafio complexo.

A Raiz do Problema: Energia vs. Potência

O cerne da questão, como o artigo da ENGIE bem aponta, está na distinção fundamental entre dois conceitos:

  • Energia (MWh): Refere-se ao volume total de eletricidade que pode ser produzido ao longo do tempo. Graças à expansão massiva das usinas solares e eólicas, o Brasil tem uma capacidade crescente de gerar energia.
  • Potência (MW): É a capacidade de entregar essa energia instantaneamente, no exato momento em que ela é demandada. É a “força do motor” do sistema elétrico.

Fontes como a solar e a eólica são chamadas de intermitentes ou não despacháveis. Elas produzem energia quando há sol ou vento, mas não podem ser “acionadas” para atender a um pico de demanda em um dia nublado ou em uma noite sem vento.

A “Rampa” Fatal: O Diagnóstico do ONS

O principal documento que fundamenta o alerta é o Plano da Operação Elétrica (PEL) 2025-2029, publicado pelo ONS. O relatório é categórico ao identificar o que o setor chama de “rampa” como o momento de maior vulnerabilidade do sistema.

O fenômeno ocorre diariamente, no início da noite. As projeções do ONS demonstram que, por volta das 18h, a geração solar fotovoltaica, que atinge seu pico ao meio-dia, despenca para zero em um curto intervalo. Exatamente nesse mesmo período, a demanda por eletricidade explode, à medida que a iluminação pública é acesa e a população chega em casa, ligando chuveiros, ar-condicionado e outros equipamentos.
O sistema precisa, em questão de minutos, realizar uma manobra dupla e crítica:

  1. Compensar a perda de milhares de megawatts da fonte solar.
  2. Atender a um aumento vertiginoso do consumo.

Segundo as simulações do ONS, sem a contratação de novas fontes de potência, a capacidade restante do sistema (hidrelétricas e termelétricas existentes) não será suficiente para cumprir essa tarefa com segurança a partir de 2027, especialmente nas regiões de maior carga, como o Sudeste/Centro-Oeste e o Nordeste.

Por dentro do desafio que pode ameaçar a energia do Brasil em 2027

A Solução Técnica: Leilões de Reserva de Capacidade

A solução proposta pela EPE e pelo ONS para mitigar este risco é a contratação de potência por meio dos Leilões de Reserva de Capacidade. A lógica desses leilões, detalhada em diversas notas técnicas da EPE, é contratar usinas não pela energia que geram, mas pela sua disponibilidade e flexibilidade.

Essas usinas, majoritariamente termelétricas a gás natural, funcionam como um “seguro” para o sistema. Elas permanecem em prontidão e são acionadas pelo ONS apenas nos momentos de estresse, como na “rampa” do final da tarde, garantindo que a demanda seja atendida sem falhas. Elas fornecem a potência firme que as fontes intermitentes não podem garantir.

O Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2034, elaborado pela EPE, reforça essa necessidade ao indicar a expansão de fontes flexíveis como um pilar para a segurança da transição energética brasileira.

O Relógio Contra o Brasil

O que transforma o alerta técnico em uma corrida contra o tempo é o ciclo de maturação dos projetos. A construção de uma usina termelétrica de grande porte, desde a vitória no leilão até a entrada em operação comercial, leva em média de três a quatro anos. Isso significa que, para ter a potência necessária disponível em 2027, o leilão para contratá-la precisa ocorrer com máxima urgência.

O adiamento de leilões de reserva que estavam previstos para anos anteriores acendeu um sinal amarelo no setor. A matéria da ENGIE reflete uma preocupação generalizada: o planejamento precisa se converter em ação.

Em suma, a análise aprofundada das fontes oficiais confirma que o Brasil está diante de um desafio estrutural. A transição para uma matriz mais limpa é um sucesso inegável, mas ela precisa ser acompanhada de investimentos em segurança e flexibilidade. Ignorar o alerta sobre a necessidade de potência é como construir um carro potente, mas esquecer de instalar um sistema de freios confiável. O risco não é apenas um apagão, mas a perda de credibilidade na capacidade do Brasil de gerir sua própria segurança energética.

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